Como é difícil agradecermos as coisas ruins por ter nos trazido coisas boas. É quase como uma birra, uma contrariedade, como se, somente o fato de reconhecermos que sim, todas as experiências nos trazem aprendizados, talvez as não tão boas tragam até mais que as boas, fossem atraí-las com maior frequência.
Sempre pensei que algumas coisas aconteciam somente comigo. As ruins, claro. Eu tinha medo e muitas vezes, aquela sensação de desânimo frente a alguma expectativa nova, sonho ou vontade. E muitas não davam, talvez não para meu azar, mas para minha sorte.
Lembro-me bem de que, em algum momento da minha adolescência eu tive o privilégio de fazer aulas de teatro na escola onde eu estudava. Eu digo privilégio, porque o teatro não só me ajudou nesta fase, mas me trouxe aprendizados para a vida toda.
Eu costumava dizer para minha mãe, quando chegava em casa, os muitos dialetos próprios da dramaturgia que eu aprendia. Mas tinha um que sempre me despertou uma curiosidade (e algumas risadas) em particular, o desejo de boa sorte “quebre a perna”! Se nunca tinha ouvido falar, sim! Quebre a perna é um desejo de boa sorte no teatro.
A origem dessa mensagem é meio nebulosa. Alguns dizem que (e é a versão que eu prefiro acreditar) que se deve ao desejo de que os aplausos do público sejam tantos e tão fervorosos que as “pernas” do teatro (parte lateral onde ficam as cortinas) se rompam e levem o teatro abaixo, não literalmente, claro! Apenas a parte dos aplausos fervorosos.
Então “quebrar a perna” significava que as coisas tinham saído bem, que, pode até ser que tenha sido necessário um ou outro improviso, mas no final estávamos todos comemorando na coxia. Neste ponto o teatro lembra muito a vida, coisas inesperadas acontecem o todo tempo.
Pouco tinha a ver com sorte, mas com olhar além do óbvio e aproveitar as experiências e aprender com elas. Quando as coisas não saíam como a gente ensaiou, de nada adiantava correr para a coxia, tínhamos que encontrar um novo caminho para seguir com a apresentação. Não haviam segundas chances, refazer a cena, nada disso. Tudo era no ali e no agora.
A grande sacada era fazer da falha algo bom. Do erro, um acerto. Da experiência, um novo e bom aprendizado.
E no exato momento em que escrevo este texto estou rindo sozinha! Porque eu estou com a perna quebrada (literalmente falando). Entre dores, remédios, cirurgias e um medo gigantesco que se assola me mim agora, fiquei pensando na mensagem de boa sorte que recebia no teatro.
Experiências como essa, e como a síndrome de pânico que eu tive há dois anos são o que chamamos de “dar errado”, são os acontecimentos inesperados que fazem a gente repensar tudo, do que estamos com o hoje e com a nossa vida.
Não estamos no controle de nada e nem nunca estaremos, nem adianta se iludir. E está tudo bem. Volta e meia aparecerão pedras no caminho, a maioria de forma inesperada mesmo, só é preciso aprender a lidar com elas: desviando, pulando ou construindo um castelo, a gente é que escolhe.
Em todo o processo que passei com esse acidente e ainda passo, penso muito no teatro, talvez pela curiosa coincidência da mensagem de boa sorte, seja porque lá também era comum as coisas saírem diferentes do que a gente estava imaginando e não temos outra saída a não ser dar a volta por cima.
Assim como nessas experiências da vida, não adianta se apegar a certas coisas, elas não vão mudar o que aconteceu. É quando a gente deixa tudo isso ir que adquirimos a capacidade de aprender o que cada uma dessas experiências tem a nos ensinar.
Hoje depois do susto, mais tranquila e consciente, depois que desapeguei de muita coisa, porque nada poderia mudar o que aconteceu, tento ver esse desvio de percurso com outros olhos, com os olhos de “boa sorte” tentando aprender tudo, mas tudo mesmo que essa experiência pode me ensinar, principalmente a olhar os sinais sutis que a vida manda e que na grande correria a gente nem se dá conta, como eu li uma vez: “se a gente não para, a vida para a gente!”
Passar por tudo isso também me fez enxergar coisas que eu precisava e que eram urgentes pra mim, antes que fosse tarde demais, e sendo assim, se a experiência me fez amadurecer e crescer, posso chamar de muitas coisas, mas hoje vou me lembrar daquela época maravilhosa do teatro e levar como um sinal de boa sorte.
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