Quando esta história aconteceu, eu não tinha medo de avião. E não tinha, simplesmente porque eu nunca havia voado antes e também nunca tinha tido uma crise de pânico, nesse caso, a ignorância me protegia.
Mas um dia precisei viajar e, para minha sorte, eu teria que ir sozinha. Muita gente pode pensar que foi loucura (tipo minha mãe) ou até você se soubesse que tenho muito, mas muito medo de altura.
Mesmo assim, aos meus 18 anos, as coisas eram bem diferentes e acho que eu levava bem a sério o ditado que diz: está com medo? Vai com medo mesmo, ou pode ser apenas porque eu não tinha opção. Meu namorado na época – muito preocupado com minha segurança e também com o fato de que era bem provável que eu passaria por alguma vergonha lá dentro – narrou todo o passo a passo e fiquei muito atenta a todas as informações, apesar de confundir a ordem das coisas, de vez em quando. Já estava me sentindo mais confiante, pelo menos saberia chegar com tranquilidade, até o avião.
No dia, fui me despedindo e quando cheguei na minha mãe ela disse que não queria me ver entrar naquele portão, e senti um pouco daquela confiança inicial toda, ir descendo aos poucos pelo ralo, mas me abraçou e completou com um “vai com Deus”, bom, meu namorado, sempre muito prático, tratou de me levar logo, antes que desistisse.
Não vou dizer que não fiquei nervosa, fiquei sim. Lembrei de tanta coisa. Filmes, reportagens, probabilidades, como funcionava mesmo o avião? Por que eu fui ver aquele filme que o avião caía? Se cair no mar, acabou pra mim, porque eu não sei nadar! Aliás, por que eu não sei nadar mesmo? E os Mamonas Assassinas que tiveram um acidente aéreo no dia do meu aniversário de 10 anos (é tipo um trauma). Parando para pensar aquilo que eu estava chamando de nervosismo já era quase um pânico.
De algumas coisas eu não consigo me lembrar, culpa da mente ansiosa que estava ocupada demais traçando todos os piores cenários possíveis. Mas lembro que, enquanto meu namorado estava comigo, foi tudo muito simples e tranquilo. Talvez o único problema é que o nervosismo estava me fazendo sorrir excessivamente para as pessoas, mas nada fora do roteiro que havíamos combinado.
Segui eu e Deus, como afirmou minha mãe, tentando parar de sorrir tanto. Dali em diante, setas e funcionários que, às vezes tentavam corresponder ao meu serviço nervoso, quase com o mesmo entusiasmo – me ajudaram e logo eu estava procurando meu assento no avião, que por acaso parecia que não existia, mas porque era o último.
Percebi que ali não era um lugar que as pessoas gostavam de sentar, mas tudo bem, assim não precisaria me preocupar muito com as caras de desespero que eu poderia fazer, caso de alguma coisa saísse do controle.
Bem, decolar é gostoso, dá um frio na barriga tipo montanha-russa, mas nada se compara a pousar, estou pra conhecer um alívio tão grande quanto este.
Até aí, achei que eu estava me saindo muito bem. Só precisava fazer a conexão e pronto: depois era o destino final.
Quando fomos trocar de aeronave, fiquei atenta! Segui as ordens da moça e também um corredor imenso e procurei o meu mais novo portão de embarque. Só que, apesar de Brasília ter um aeroporto grande, nada, mas nada se compara com o de São Paulo. Andei pra caramba e agradeço quem me falou pra ir de tênis, olha não lembro, mas você me salvou.
Só que, minha gente, pegar um voo em São Paulo não é para amadores. Lá está você tipo perto do portão 8 quando de repente a moça fala o número do seu voo e diz que o portão mudou para o 16. Oi? E ainda completa com: “Embarque imediato” para aumentar a agonia.
Vi uma galerinha praticamente sair correndo e comecei a correr atrás. No caminho, ouvi mais umas três chamadas de voos e trocas de portões e mais gente levantando e correndo. Será que ela chamou meu voo e eu não ouvi? Até que perguntei para um rapaz que estava em ritmo de marcha atlética e sim, descobri que íamos para o mesmo lugar, Salvador, na Bahia, onde eu passaria a morar – mas esta é outra história.
Ouvi seguidamente que, aquelas últimas cinco vezes que a moça chamou no microfone, eram a última chamada para o voo, só faltava saber qual.
Quando bateu o desespero e uma lágrima já queria brotar, encontramos o portão já meio vazio. Como todo já tinha entrado? Será que elas tinham alguma informação preciosa que eu e o moço da marcha atlética, não tínhamos?
Entramos, ufa! Agora eu já era uma veterana né? Já sabia como era decolar, entendia as subidas e descidas da aeronave e já havia sentido o alívio que é pousar e continuei sentando lá no final da aeronave, realmente as pessoas não gostam mesmo dali.
Quando finalmente pude respirar, acho que dei uma breve cochilada. O nervoso, a tensão, o medo de perder o voo e toda aquela correria me cansaram, muito! Mas durou bem pouquinho. Não cheguei a me perguntar se alguém te acorda, caso você não se levante para descer, ou vai acabar parando no aeroporto errado, tipo como acontece com a gente nos ônibus.
Quando abri os olhos devagar, o sol batia na janela. O céu todo azul, limpo, limpo como poucas vezes vi na vida. Se eu não tomei nada junto com o suco de laranja que – muito timidamente aceitei da aeromoça – também senti algo que poucas vezes havia sentido!
Naquela imensidão de azul de uma beleza tão rara, lembro de ter pensado meio que em voz alta que não era possível que não exista nada além de nós aqui. Uma emoção e uma certeza de que, primeiro aquele avião não ia cair, depois um conforto imediato como se estivesse no lugar mais seguro do mundo. Uma paz sem precedentes, palpável, divina.
Comecei a ter uma certeza quase duvidosa de que na minha vida, sempre haveria chão, mesmo antes que eu colocasse o pé. Fechei os olhos, sorri, senti o sol, agradeci por aquela sensação, por aquela beleza, por aquela chance e por poucas pessoas sentarem no final do avião.
Se hoje eu pensar em tudo que tinha acontecido para que eu realmente me mudasse para a Bahia e depois todas as coisas que aconteceram lá, poderia dizer que aquela sensação era a resposta de todas as minhas preces.
E foi incrível, de verdade!
Mas tenho certa predileção pela terra firme e precisava muito acalmar o coração da minha mãe e dizer a ela que realmente, jamais estive sozinha na vida.
Eu não sabia, mas talvez estivesse sendo preparada para tantas coisas que viriam depois e – dali em diante pude comprovar que, não importasse o que acontecesse, por mais que vacilasse aqui e ali, pensasse em desistir ou tivesse que ir com muito medo, poderia ser capaz e sim, conseguiria sempre chegar ao meu destino! ♥️
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